CAPÍTULO VII 

As dores de cabeça aumentaram muito. Quando começam, tenho vontade de ir até a cozinha pegar a faca de churrasco, a lâmina afiadíssima é um espelho e o cabo de um branco impecável, e enfiá-la diretamente na têmpora direita. Por onde ela percorresse, eu a seguiria com a faca, não deixaria escapar de mim. Na maioria das vezes, seria uma volta por cima com muito esforço para chegar ao lado esquerdo, depois voltando até atingir exatamente acima dos olhos - o ponto onde a enxaqueca se personifica.

Relutei um pouco mas, pela gravidade, terei que visitar o médico. Mariana marcou a consulta, ela está tão cansada quanto eu. Não a como direito, tenho tido pouca paciência e estou sendo praticamente um vegetal - uma planta de canto de sala sem trabalhar há quatro dias. Na embriagada consciência que consigo, entre uma enxaqueca e outra, percebo ela cuidando sozinha de casa muito bem. A sensação que casei com a mulher certa é a única coisa que me dá alguma emoção.

Esperamos vinte minutos na sala de entrada do neurologista. Ela segura forte minha mão, calada entre os dedos que coloca, às vezes, na frente da boca. A recepcionista pede para eu entrar, digo que vou sozinho mas ela nem discute e me acompanha. O especialista faz perguntas que me parecem idiotas e vou respondendo sem o menor entusiasmo, minha cabeça lateja. Mariana intervem, completa, contradiz, questiona o médico. Ele se resguarda a dizer um diagnóstico inicial, passando uma lista enorme de exames.

No caminho de volta ela não pára de reclamar da consulta, achou o médico mal qualificado, pouco atencioso e que deveríamos procurar outro. Na verdade, ela pára e fica um pouco constrangida quando nota que estou absorto em minha dor. Tudo bem?, com a voz perdida entre o olhar de comoção. Mas desiste, meu olhar de volta é medonho.

O tempo está péssimo, o trânsito um caos, minha vida uma merda. Seriam pensamentos comuns ao meu cotidiano senão fosse esse cão do inferno comendo meu cérebro com dentes afiados. Apoio os braços nos joelhos e coloco as mãos fortemente dos dois lados, tento - sem que Mariana perceba - expremer minha cabeça. Fico entre minhas pernas segurando minha nuca por cima. A luta física que travo é inútil, toda dor que consome a parte de dentro é infinita comparada a que provoco do lado de fora.

Mariana se mantem presa ao trânsito, ela faz parecer normal aquilo que ocorre no banco do passageiro. É como se estivesse indo para o trabalho e os filhos, os quais não temos, estivessem fazendo alguma bagunça besta de crianças. O único movimento brusco que faz, é freiar o carro repentinamente quando grito para parar. Desço e corro com total insanidade até um desses carrinhos ambulantes que vendem sucos e refrigerantes pelas ruas. O vendedor está longe, atendendo algum cliente pelo vidro de algum carro. Abro a tampa e, já sem pensar por um bom tempo, enfio a cabeça entre todo aquele alumínio, plástico e gelo. Ouço gritos em um grande alvoroço, de dentro do carrinho parece como se tudo viesse de longe dali. Por alguns segundos, engano a dor e esqueço um pouco a idéia da faca. Um freezer vertical pequeno, do tamanho dos meus ombros, me parecia bem mais prático.

 

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